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quinta-feira, 7 de julho de 2011

Meu anjo é você, capítulo II

Jake ainda tinha certeza de que descobriria que tudo aquilo era um sonho... ou um pesadelo. Mulheres assim não existiam no mundo real. E se ela fosse mesmo real,
certamente faria alguma coisa que o fizesse relembrar-se de seu juramento de manter todas as relações com o sexo oposto leves e sem compromisso. A vida era menos
complicada desse jeito.
Jake tirou a toalha da cabeça e a colocou na pia. Abrindo a água quente lavou o rosto e o pescoço.
Devia estar seriamente machucado. Seu senso de realidade deveria ter sido danificado em algum lugar ao longo da rodovia. Lá estava ele, um homem determinado a evitar
ser laçado por qualquer mulher que fosse, sentindo-se daquele jeito. Dois segundos com aquela moça e sua curiosidade se aguçara. Até seus ouvidos estavam ligados
nos passos dela. O som parecia estimular cada sensação. Estava certamente morto e sendo testado. Cederia à tentação ou resistiria? Aquela era a única explicação
plausível para o que estava acontecendo.
E então a moça estava de volta... e ele soube que, com certeza, não estava morto.
Gretel parou abruptamente à porta do banheiro como se detida por um tipo de mão invisível. Então se perguntou há quanto tempo não via um homem dentro de sua casa,
isso sem citar no banheiro. E que belo espécime! Parecia preencher o pequeno espaço. Jamais olharia seu banheiro do mesmo jeito depois daquele dia.
E então ela voltou a si percebendo suas coisas espalhadas. A escova de dentes, hidratante facial, a camisola curta de seda pendurada atrás da porta... Oh, não! O
sutiã vermelho que ela lavara naquela manhã ainda estava pendurado no porta-toalha!
Apressada, adentrou o banheiro, pegou a peça íntima e o jogou atrás da cortina do boxe.
- Tarde demais, já vi. - Ele riu. - Muito bonito, por sinal.
Ela contraiu os músculos e disse em seu tom mais sério:
- Um cavalheiro não teria me dito isso. - Mas secretamente sentiu prazer pela audácia do estranho.
Gretel assistiu aos músculos das costas flexionarem-se contra a camiseta, enquanto ele terminava de lavar o rosto. Parecia um lobo solitário matando a sede num riacho.
Ela teve uma louca vontade de tocá-lo, tranqüilizá-lo, dar-lhe segurança, mas calculou que ele lhe morderia a mão. Então esperou ansiosa que ele se virasse, assim
poderia ao menos apreciar mais uma vez aqueles lindos olhos verdes.
"Pare com isso", comandou a si mesma, entregando-lhe a cerveja. "Imediatamente. Ajude-o a resolver o problema e coloque-o em seu rumo novamente".
- Eu tenho um trator. Posso levá-lo de volta ao local do acidente e resgatar seu caminhão da vala.
- Obrigado, mas vou ligar para a minha seguradora e deixar esse trabalho com eles. - Ele secou o rosto na toalha.
- Por que perder todo esse tempo? Só porque estou vestida desse jeito não significa que não seja capaz de lidar com maquinário de fazenda. Além do mais, o acidente
não teria acontecido se... bem, eu sei que é minha responsabilidade manter os cachorros presos.
Um sorriso lento curvou os lábios dele, enquanto reassumia seu posto na beira da banheira.
- Oh, pare com isso. Não foi você quem pulou na frente do meu caminhão. De qualquer forma, esse seu vestido me teria feito perder a direção.
Ela abaixou os olhos para seus trajes, perguntando-se por que se sentia tão compelida a explicar qualquer coisa para aquele homem.
- Essa roupa é apenas parte de um todo. Os turistas se encantam. A maioria das coisas por aqui data de 1860 ou a partir daí, então decidi que deveria combinar com
essa época também. Mas vou trocar de roupa assim que fizer um curativo em você e então podemos pegar a estrada.
Sentado ali, com ela em pé à sua frente, o que ficava em sua linha de visão era um belo par de seios fartos. Jake sentiu vontade de tocá-los.
Havia algo no ar, quase como uma corrente elétrica. Ele descartou a sensação como outro efeito da pancada na cabeça.
Pegando um pequeno vidro de iodo do armário sob a pia, ela se virou sorrindo.
- Isso lhe causará um efeito visual engraçado. Ah, e meu nome é Gretel. Gretel Campbell.
Rindo levemente, ele não conseguiu deter um gemido quando o iodo fez seu ferimento arder.
- E eu sou Jake MacDonald.
Endireitando os ombros, ela continuou seu trabalho. Tinha de falar, de manter a mente desatenta da proximidade dele, daquela respiração quente perto de seu pescoço.
- Sabe, há outro MacDonald há uns vinte quilômetros daqui nessa mesma estrada. Um velho fazendeiro. Ele teve um dename há cerca de três meses.
A mão dela era gentil, mas determinada. E os dedos eram extremamente macios, apesar do fato de trabalhar com plantas e lidar com ferramentas. Ah, e dirigir tratores.
As unhas eram bem curtas, e ela não usava nenhum anel ou aliança.
- Ouvi dizer que um dos filhos dele finalmente apareceu para ajudá-lo na lida da fazenda, mas aparentemente o sujeito não é flor que se cheire. - Ela deu um passo
atrás, sorrindo delicadamente. - Esse corte poderia realmente precisar de um ou dois pontos, mas já sei que você vai se recusar. - Ela voltou ao curativo. - Isso
aqui vai resolver.
Jake sorriu, divertindo-se com a maneira como ela tomara a decisão sem que ele dissesse uma palavra sequer. Gretel continuou com sua história.
- Dizem que o sujeito é um desses executivos poderosos de Baltimore e não quer ficar aqui. Ouvi falar que até mesmo chegou de terno.
- Que sujeito arrogante - concordou Jake rindo silenciosamente e tomou outro gole de cerveja, fazendo-a pegar a cabeça dele entre as mãos para que ficasse imóvel.
Tirando a gaze do invólucro, ela balançou a cabeça e continuou:
- Imagine. A própria família! E ele não quer ajudar o pobre velho pai. Oh, bem, você sabe como são os rumores. Nunca se sabe se acreditamos ou não neles.
Divertindo-se com o fato de ser alvo de assunto na cidade, Jake perguntou:
- Então por que você acha que o filho do tal fazendeiro voltou? Se o sujeito é tão rico, poderia ter simplesmente contratado alguém para ajudar o pai. Ai!
- Fique parado. Para assegurar sua herança após a morte do velho MacDonald, dizem. Ricos querem sempre ser mais ricos. Só estive na fazenda duas ou três vezes, mas
as pessoas dizem que é uma das maiores e mais valiosas da Pensilvânia. - Cuidadosamente colocando a gaze sobre o corte e prendendo-a com espara-drapo, ela deu um
passo para trás e sorriu.
Divertindo-se com o assunto, Jake instigou:
- Mas isso não faz sentido. Se o jovem MacDonald já tem dinheiro suficiente, por que se importaria com o que o velho poderá fazer com ele?
Sorrindo, Gretel afastou-se e analisou o curativo.
- Pronto. Terminei. E como eu posso saber? Vamos ver... talvez ele deteste seus irmãos e queira trapaceá-los na divisão de bens. Ouvi dizer que todos eles são casados
e moram em outros Estados, longe daqui. Talvez também não se importem com o pai. Não sei, e essa é a dúvida de todo o mundo.
Ela juntou as sobrancelhas, fazendo Jake se perguntar o que estava pensando.
- O filho que voltou para casa deveria estar grato por ter um pai e uma fazenda como lar para voltar. Há dezenas de nós que não podemos ter um lar tão facilmente.
- Gretel suspirou com tristeza, enquanto terminava de guardar os medicamentos. - Agora por que você não se senta na sala, e eu, assim que trocar de roupa, encontro
você lá?
Foi solidão que ele ouviu naquele suspiro? Aquela personalidade forte dela era meramente representação perante seus clientes de jardinagem ou auto-proteção?
Mas o que isso lhe importava?, pensou, irritado. Flexionando o joelho, levantou-se com facilidade.
- Muito obrigado, mas agora resolvo o resto sozinho. Apenas me mostre o telefone e estarei longe daqui antes que você se dê conta.
- Tem certeza? Não - decidiu ela. - Não posso deixar que faça isso. Vou levá-lo de trator até lá.
Em resposta ao olhar que apareceu no rosto dele, Gretel titubeou e então acabou cedendo, conduzindo-o pelo corredor até o telefone.
- Tudo bem, você pode dar seu telefonema, mas tenho certeza de que o resgate não chegará até o anoitecer. Então, o que acontecerá com seu feno espalhado por toda
a vala?
Jake ficou parado, observando-a atentamente. Estava cansado e sem humor para argumentar, mas ainda menos inclinado a concordar. Porém, ela estava certa. Deus, ele
detestava aquilo. Como aquela mulher o tinha decifrado tão rapidamente?
-  Além disso deveríamos pelo menos ir até lá para colocar triângulos de aviso e nos certificar de que a rodovia está em ordem - continuou ela, persistente. - Uma
vez que estou envolvida, acho que vou me sentir bem melhor se fizermos uma checagem.
- Não se preocupe. O caminhão está bem fora da pista e não causará outro acidente. - Mas ele sabia que a preocupação dela era válida e que aquela mulher não desistiria
com facilidade. - Tudo bem, você venceu. Esperarei na sala.
Gretel lançou-lhe um sorriso vitorioso e saiu do banheiro, levando toda a brilhante eletricidade junto consigo.
O fato de ter sentido a perda do brilho dela o impressionou. E o instigou ainda mais.
A atração sexual tinha de estar baseada no fato de que ela era diferente demais e tão maravilhosa de se olhar. Mas então lembrou a si mesmo que desistira de namorar
por hora e planejava manter-se assim ainda por um bom tempo. Talvez o resto da vida.
Vagando pela casa, ele acabou na cozinha, observando os pequenos potes de ervas, garrafas de óleos e... Ah sim, a torta de maçã. Aquele aroma que o recebera à chegada
não era ilusão. Café fresco estava coado na cafeteira sobre o balcão. Um prato de biscoitos parcialmente cobertos com um guardanapo estava ao lado de um vidro aberto
de geléia de uva, a faca descansando sobre a tampa. Nem nos áureos tempos de seu casamento, nunca vira uma cena tão doméstica. Um homem podia sentir-se em casa ali
com a maior facilidade. Mas que coisa, por que um homem? Qualquer pessoa teria a mesma sensação. Outra vez repetiu a si mesmo que lugares assim não existiam na vida
real. Mas estava ansioso para continuar aquele jogo. Que dano poderia advir? Nenhum. Alguma outra coisa aconteceria em breve, virando a página daquele livro de contos
de fadas, e a realidade voltaria. Nua e crua.
Retornando à sala, ele olhou ao redor, notando as pilhas de livros, de suspense à Shakespeare. Ele assentiu. Eles dois tinham o mesmo gosto eclético por literatura.
Passando os dedos pelos CDs, descobriu que havia de U2 a Mozart e sorriu novamente. Ambos, obviamente compartilhavam um amor pela diversidade. Ela era uma pessoa
curiosa. Isso era tudo que podia definitivamente dizer sobre aquela mulher. E a casa refletia isso. Não havia um tema. Apenas um caos alegre e um jeito original
de olhar o mundo. Jake acomodou-se no sofá. Era perigosamente confortável e de repente ele se deu conta de como estava cansado. Um leve aroma dela preencheu o ar,
e ele inalou profundamente.
Pensamentos conflitantes confundiram-se em seu cérebro cansado. Não importava que tivesse prometido não se envolver com nenhuma mulher em bases permanentes. Poderia
simplesmente tirar proveito da situação e saborear estar com aquela, embora todas as mulheres fossem problema. Como sua ex-esposa, que fora fria e insensível e saíra
do casamento com cem vezes mais do que entrara. Lógico, ele saía com mulheres, mas se certificava de que nada sério jamais surgisse daquelas relações. Nunca mais.
Claro, contava com a possibilidade de um dia mudar de idéia. E Gretel Campbell era paradoxal o bastante para fazê-lo abrir uma exceção. Se estivesse muito inclinado.
O que não era verdade, lembrou a si mesmo com determinação.
O inesperado interesse por ela era puramente uma reação hormonal. Era um homem adulto, capaz de controlar impulsos e ignorar coisas desse tipo. No momento tudo que
sabia era que estava se sentindo muito confortável.
Sentindo os olhos pesados, permitiu-se fechá-los por apenas um instante, apoiando a cabeça no braço estofado do sofá, com cuidado para não sujar. A mente devaneou.
Estava em um lugar onde não precisava executar nada no próximo minuto e, com o corpo todo dolorido, a sensação era boa demais.
Quando Gretel voltou quinze minutos depois, encontrou-o ali adormecido, um lado do rosto seriamente machucado. Ela se inclinou para acordá-lo e quando sua mão se
aproximou do ombro dele, a atração que sentiu foi muito mais forte desta vez.
A sensação era algo como se aproximar de fios de alta-tensão. Durante uma tempestade. Descalça no chão molhado. Não conseguia se restabelecer da força do homem.
Não somente o tamanho, mas a pessoa dele. De repente, uma percepção a atingiu forte. Na verdade, sentia falta de ter alguém em casa consigo. Alguém para conversar,
para compartilhar sonhos e até mesmo momentos de silêncio. Não suas amigas ou vizinhos. Um homem. No exato significado da palavra.
Ela deteve os pensamentos. Já tivera aquilo uma vez e apesar de seus esforços supremos, o relacionamento havia se desintegrado.
Uma brisa fria balançou as cortinas da janela. Caminhando até a poltrona, pegou uma manta tailandesa e voltou ao sofá, colocando-a delicadamente sobre ele. Dirigindo-se
à cadeira de balanço, sentou-se ali, admirando-o mais uma vez.
Uma sombra de barba estava aparecendo no maxilar definido. Cílios grossos e escuros sombreavam as maçãs do rosto. Os cabelos desordenados caíam na testa, cobrindo
o curativo. A boca estava sensualmente relaxada, agora sem aquele sorriso falso de quando estava acordado.
Então olhou para as mãos dele. Uma visão que a absorveu de imediato. Impressionante o tamanho. Queria estudar aquelas palmas, testar nelas sua habilidade amadora
de quiromancia. Competentes. Poderosas. Pareciam poder protegê-las de todo o mau do mundo. Quase podia senti-las passeando sobre seu corpo, gentil e sedutoramente.
Havia algo incomum nele. Algo diferente, intrigante. Mas ela não tinha nenhuma idéia do que era. Tudo que sabia era que havia uma inexplicável sintonia entre eles
dois naquele momento.
Era destino? Os cachorros tinham ido ao lugar certo na hora certa para forçar aquele homem a cruzar seu caminho? Mas por quê? Ou aquele fora apenas um acidente,
sem nenhum significado especial?
Jurara a si mesma que jamais deixaria um homem tocar sua pele do jeito que Jim fizera. Ele havia lhe roubado de si mesma, tão profissional e astuto quanto um ladrão
na noite. E levara um bom tempo até que ela conseguisse ser uma pessoa inteira novamente. Passara dois longos e dolorosos anos criando seu paraíso seguro ao qual
dera o nome de Blueberry Hill. E nada, absolutamente nada, ia quebrar a paz de espírito que encontrara ali.
Então o que significava encontrar Jake MacDonald? Nada, exceto uma dica para ficar mais atenta aos cães fujões. Recusava-se a pensar na situação como outra coisa
além de um contratempo desagradável. Na verdade, tivera sorte de o homem não ter se ferido mais seriamente.
Gretel o fitou mais uma vez, estudando, distraída, o corpo que a calça jeans delineava, os quadris estreitos, as coxas musculosas. Um calor coloriu suas faces, fazendo-a
levantar-se abruptamente.
De volta à cozinha, chamou seu vizinho, Toby. Juntos poderiam resgatar o caminhão e trazê-lo para o pátio de sua casa. Não fazia o menor sentido acordar um homem
que sofrera um acidente para ajudar. Mesmo que ela não se importasse nem um pouquinho com ele.
Que latidos eram aqueles? E aquele cheirinho de bacon? Onde estava?
Confuso, Jake levantou a cabeça, mas voltou a recostá-la, detido por uma forte pontada. Foi então que a realidade veio aparecendo lentamente.
"Oh, sim"!, pensou alongando os músculos doloridos e abrindo os olhos.
A luminosidade do dia feria tanto quanto as dores causadas pelo acidente do dia anterior. E aqueles benditos cachorros estavam latindo cada vez mais alto, fazendo
sua irritação aumentar.
Sentando-se na beira do sofá, Jake notou a manta tailandesa sobre as pernas e... então ouviu a voz dela.
Imóvel por um momento, escutou extasiado.
Como uma coisa tão simples como uma voz podia causar um efeito daqueles em sua alma? Ouvia mulheres falando todo o dia. Na verdade, até demais. O que era tão diferente
em Gretel?
Lutando contra a dor, levantou-se. Não se sentia fraco assim desde... bem, desde o seu aniversário de catorze anos, quando ganhara um cavalo de seu pai e levara
o maior tombo de sua vida.
Caminhando vagarosamente até a janela, avistou Gretel no jardim. Ela cortava flores para uma senhora, provavelmente cliente, que apontava suas escolhas.
Uma princesa de contos de fadas, pensou, medindo-a de cima a baixo. Aquela imagem quase valia a pena todas as dores que estava sentindo.
Então além dela, perto do velho estábulo que ele vira ao chegar, avistou seu caminhão batido e a carroceria quebrada. Ao lado estava parado um caminhão vermelho
carregado de feno. O feno dele!
Que coisa! Ela não deveria ter ido lá e...
Jake marchou porta afora esquecendo-se dos ferimentos e caminhou na direção dela.
- Melhor não me contar que você foi lá na vala e fez tudo isso sozinha.
- Olá, bom dia. - Ela nem mesmo se importou em levantar os olhos. - Não repare nele, Margaret. É apenas um hóspede inconveniente. Assim que eu terminar com minha
cliente, sr. MacDonald, estarei livre para discutir qualquer coisa que queira, mas no momento estou ocupada.
- Por que você não me acordou?
Gretel ignorou a questão.
- Falo com você daqui a pouquinho. Há ovos com bacon na cozinha. Sirva-se. E então Margaret, o que acha dessas íris siberianas? Lindo tom de azul, não?
Claro, obviamente ele estava sendo desprezado. E, de alguma forma, sabia que seria totalmente inútil tentar uma discussão saudável naquele momento. Virando-se, voltou
para casa pisando firme... tão firme quanto seu joelho dolorido permitia.
Colocando ovos com bacon sobre um biscoito, ele levou à boca e preparou outro. Gretel parecia ter tantos humores e lados quanto uma margarida tinha pétalas. E naquele
ponto ele estava pronto para arrancá-las, uma a uma.
Sentia-se furioso consigo mesmo por não ter lidado com aquilo de forma diferente. Se ela não tivesse tocado suas emoções de alguma forma misteriosa, ele já estaria
fora dali.
Então aquela mulher achava que ele era incapaz de cuidar dos próprios problemas? Se tivesse optado por atropelar os cachorros e lhe entregar os corpos em domicílio,
ela teria sentido necessidade de cuidar dele?
Abrindo a geladeira, Jake achou uma jarra de suco de laranja. Procurando um copo, abriu e fechou várias portas de armários. Será que parecia um homem que precisava
de uma mulher para tomar conta de sua vida? Pedira apenas para dar um telefonema, se é que sua memória podia ser confiável. Não pedira curativos, palavras doces
ou ajuda. Se ela não tivesse insistido que ele a esperasse trocar de roupa, não teria adormecido e então acordado para aquele insulto. Intrometida.
Mais furioso agora, Jake franziu a testa. O suco de laranja, doce e gelado desceu pela sua garganta acalmando-o contra sua vontade, fazendo-o repensar.
Não, estava sendo muito duro em seu julgamento. Ninguém, absolutamente ninguém, tinha ido tão longe por ele sem alguma motivação secreta. Obviamente ela não tinha
nada a ganhar ou perder e ainda assim interrompera seus afazeres, preocupara-se com ele e tinha até mesmo chamado alguém para ajudá-la, apenas para fazer o problema
um pouco menos complicado.
Que coisa! Embora ele pudesse muito bem se acostumar com isso. E se ela estivesse apenas sendo verdadeiramente boa? Não, a vida nunca era tão simples assim.
Novamente as suspeitas retornaram à mente. A mulher estava apenas tentando se certificar de que ele não a processaria, levando seu pequeno negócio de flores à falência.
Jake balançou a cabeça, varrendo os pensamentos obscuros. Talvez estivesse sendo apenas uma boa vizinha. Parecia mais isso. E ele apenas tinha se esquecido sobre
a política da boa vizinhança.
Acomodando-se no banquinho do balcão, Jake olhou o sanduíche pela metade que ela tinha obviamente abandonado no minuto em que aquela cliente chegara. Ao lado havia
um lápis e um livro de palavras cruzadas, aberto numa página incompleta. Observando, Jake leu o enunciado: "Enfeitiçado por, cativado pelo coração".
Pegando o lápis, preencheu os espaços em branco em maiúsculas: "FASCINADO".